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sexta-feira, 22 de maio de 2015

Sobre a tagarelice





Este é um capítulo de um livro em que Plutarco discursa sobre a tagarelice como um mal da humanidade. O livro contém outros dois capítulos sobre os quais eu não vou falar.


“...eles não encontram ouvintes que os ouçam ou que acreditem neles. Dizem que o esperma daqueles que tendem muito à união carnal é estéril; do mesmo modo, a palavra dos tagarelas é sem efeito e sem fruto.”

  Aqui, Plutarco se refere à qualidade das palavras tagareladas como um rio de água podre. Que mesmo que jorre em abundância, não tem qualquer proveito pela sua falta de qualidade. Os tagarelas não dão valor à palavra, e a desperdiçam sem qualquer cuidado. Buscam atenção e admiração pela sua suposta eloquência, mas sua fala é mais incômoda do que educativa, tornando seu discurso irritante aos ouvidos presentes.


“A tagarelice acompanha-se de curiosidade, e esse mal não lhe é inferior: queremos saber muitas coisas por termos muitas coisas que contar.”


  O segredo é a virtude mais distante do tagarela, pois ele se nutre de atenção. E através dela obtém prazer em ser ouvido e, para isso, necessita ter o que falar. Para ele não existem segredos, existem histórias, mercadorias que ele troca pelos ouvidos alheios.


  “Seleuco, o Glorioso Vencedor, perdeu todo o seu exército e suas forças na batalha contra os gálatas. Arrancou seu diadema e fugiu a cavalo com três ou quatro homens numa corrida através de estradas e desvios; depois, entregue à necessidade, chegou a uma fazenda e, tendo encontrado o dono da casa, pediu-lhe pão e água. Este, enquanto lhe oferecia generosa e amigavelmente, além disso, tudo que havia em seus campos, reconheceu os traços do rei e, feliz por ter ocasião de lhe prestar serviço, não se conteve e não quis ser cúmplice daquele que desejava esconder; acompanhou-o até a estrada e disse-lhe no momento da partida: “Adeus, rei Seleuco!”. Este lhe estendeu a mão e puxou-o para si em sinal de afeição, mas indicou a um dos seus que lhe cortasse a garganta com um golpe de espada. “Ele ainda estava falando quando sua cabeça se misturou à poeira”. Se tivesse calado então, firmemente, por alguns instantes, tendo o rei em seguida reencontrado o sucesso e a grandeza, esse homem teria recebido, imagino, mais recompensas por seu silêncio que por sua hospitalidade.”




  Existe um desejo inato no tagarela de que os outros saibam o que pensa, o que sabe e o que ele acha que os outros deveriam saber. Expõe-se ao máximo, não tendo segredos ou vida privada. Seu ser é público, seus pensamentos são vazados e a ausência de silêncio o coloca em desvantagem em qualquer situação, pois não possui ases escondidos em suas mangas.
  “Mas o tagarela é um traidor benévolo e espontâneo, que não entrega nem cavalaria nem muralhas, porém divulga palavras secretas nos processos, nas guerras civis, nas
lutas intestinas, sem obter nada em troca da parte de ninguém, ficando antes ele próprio, caso seja ouvido, em dívida de reconhecimento. É por isso que aquilo que se disse a respeito de quem dilapida seus bens a torto e a direito e gratuitamente os distribui, a saber: “Amável, não és: sofres de uma doença, tens necessidade de dar”, aplica-se igualmente bem ao tagarela: “Amistoso, revelando tudo isso, não és, nem benevolente: sofres de uma doença, tens necessidade de tagarelas e palrar”.


  "Ao tagarela, é quase terapêutico expor seu pensamento, seus argumentos e suas opiniões. Necessita ser ouvido, apreciado, amado, mas é incapaz de perceber se alcançou seu objetivo ou não, se necessita modificar sua fala, pois é incapaz de considerar aquilo que vem dos outros. Quando se propõe a ouvir, é apenas para que se aproprie do direito de falar, em seguida. Se soubesse o quanto é prejudicial para si e sua imagem, talvez houvesse motivação para dar por fim sua tagarelice. Mas os que o conhecem não ousem tentarem se fazer ouvir, não creem na possibilidade de mudança de alguém que não pode ouvir, portanto, não se dispõem a falar ao tagarela sobre sua tagarelice. Pelo contrário, a criticam incessantemente pelas suas costas. E ao primeiro sinal do tagarela, se entreolham, sabendo o tormento que está por vir e a dor que será oferta aos seus ouvidos". Plutarco diz que “o primeiro remédio e medicamento para essa paixão é a reflexão sobre o que ela produz de vergonhoso e doloroso”.



Plutarco mostra três tipos de respostas em seu livro: o necessário, o amável e o supérfluo.

O necessário, quando questionado, dará a resposta mais curta e definitiva possível, de forma findar a questão.

O amável, justificará sua resposta, de forma curta, mas sem grosseria, para que seu questionador saiba que há um motivo por trás do sim ou do não.

O supérfluo, acrescentará aos dois anteriores, toda a história por trás da situação presente, deixando a par de todos os pormenores seu interlocutor, também irritado por estar carregado de palavras inúteis, as quais não eram necessárias para satisfazer sua questão.

"Sobretudo nesse domínio que é preciso controlar a tagarelice, seguindo passo a passo, por assim dizer, a pergunta, tomando como centro e como raio o interesse do perguntador e, por esse viés, circunscrever a resposta".

“Carnéades, antes de ter conquistado uma grande reputação, estava discutindo no ginásio quando o ginasiarca o convocou e ordenou que baixasse a voz — que de fato ele tinha bastante forte. Este lhe disse: “Dá-me, com que moderar minha voz”: ao que o outro replicou, não sem rigor: “Dou-te teu interlocutor”. Que a medida daquele que responde seja, pois, a intenção daquele que pergunta.”

  Sejamos capazes de nos mantermos conscientes da necessidade da fala, do interesse do interlocutor, da beleza do silêncio e do ridículo do excesso. Pois destes fatores provém a fala harmônica e agradável e a escuta atenta. “O silêncio, ele, não só não dá sede, como diz Hipócrates, como ainda não dá nem desgosto nem sofrimento”.


  “É delicado e difícil para a filosofia empreender a cura da tagarelice. Pois seu remédio, a palavra, é feito para aqueles que ouvem, e os tagarelas não ouvem ninguém, já que estão sempre falando. Eis o primeiro mal contido na incapacidade de se calar: a incapacidade de ouvir".

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