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terça-feira, 1 de setembro de 2015

Liberdade do Arlequim



  O seguinte texto se propõe a dispor sobre as características arquetípicas do palhaço numa visão histórica e cultural.


  A origem do trabalho do palhaço remete aos bobos da corte que entretinham o rei. Dentro das castas medievais, o bobo da corte era o único que tinha o direito de se opor ao rei, criticando-o de forma cômica perante os presentes. Essa é uma característica bem peculiar considerando a ordem vigente da época. Isso o tornava um personagem muito distante de todas as outras regras sociais. O foco do bobo da corte era ele mesmo. Sua aparência, suas deformidades, seus defeitos. Ele servia basicamente para sustentar a superioridade alheia através de sua inferioridade pública. Diferente de determinadas piadas, a graça do palhaço não está no mundo, está no próprio palhaço.




  Para entender a simbologia do palhaço, vamos recorrer à uma antiga produção artística: o Tarot. O primeiro Arcano chama-se O Louco ou Tolo, mas na realidade ele não tem numeração, porque ele pode estar em qualquer lugar ao mesmo tempo. Ele representa o movimento caótico, não objetivo, interativo pelo seu movimento, mas natural pela sua espontaneidade.
  Uma forma sempre simples de compreender algo é através do seu oposto. O Arcano oposto ao Louco é o Mago. Enquanto o Louco conecta as Esferas do Ser e do Caos, o Mago conecta as Esferas do Ser e da Ordem. Isso significa que o trabalho do Mago é objetivo, manipulador, trabalha com métodos, fórmulas e regras para se chegar a algum lugar. Ele pensa dentro da Cause e Efeito. O palhaço interage de forma caótica, sem objetivar nada, tudo é uma consequência natural do seu contato caótico. Por que caótico? Porque não segue qualquer tipo de regras, estereótipos ou tradições; tampouco tem objetivos como riso. O riso é uma consequência natural da sua interação fora do comum. Entendido como atua o palhaço, vamos compreender o que forma o palhaço.
  No Arcano, o Louco é retratado como indo em direção ao precipício, enquanto um
cachorro puxa sua perna. À primeira vista, pode parecer que o cachorro está tentando salvá-lo de cair e morrer. Mas o precipício não é a morte, é apenas o desconhecido e suas infinitas possibilidades. O animal tem como único objetivo prender o Louco à terra, à segurança daquilo que ele já conhece. Mas o Louco não deseja a ordem, ele deseja o caos e tudo o que nele possa existir. Todas as possibilidades de ser que ele possa escolher para si. Assim o palhaço mergulha no público, no abismo desconhecido do interior de cada um, assumindo não ter controle sobre as respostas que terá, mas disposto a ver o que há no abismo da sua platéia e aberto ao que possa vir de lá, mas sem projeções ou expectativas do que virá a surgir desse contato.








  Existe uma segunda via psicológica trabalhada pelo palhaço que é o contato com a
Sombra, que resultará numa consequência ao seu oposto, a Persona. A Sombra pode ser entendida como nossas características ocultas da consciência que foram recusadas violentamente pelas repressões sociais e se tornaram aquilo que somos, mas não acreditamos ser e desejamos com todas as forças esconder do mundo. Ao contrário da Persona, que é exatamente a nossa "roupa de sair de casa", aquilo que queremos que o mundo veja em nós e, para tal, usamos para nos adaptar aos vários ambientes sociais com os quais interagimos e possuem regras específicas de comportamento, por exemplo.
  Compreendido isto, vemos que a ridicularização do palhaço é a forma simbólica de retirar momentaneamente uma máscara para nos tornarmos o que há de pior em nós. Nossos defeitos, nossas imperfeições, tropeços, quedas. E durante este momento, deixamos de ser nós mesmos para nos tornar outra pessoa. A pessoa que não reconhecemos em nós. Deixamos de ser o deus para ser mortal, de ser perfeito para ser falho. A pessoa que normalmente o mundo sequer dever suspeitar que existe. Nos tornamos a nossa sombra. A ridicularização do ego imponente.
  Para isso, expõe-se o corpo não malhado que se tem, as orelhas grandes, as roupas ridículas que te tiram da moda, se expõe em sua forma mais deplorável, ao mesmo tempo que essa forma perde o poder de lhe ferir. O que anteriormente fez com que ela se tornasse sua sombra. Essa transformação de um conteúdo anteriormente reprimido faz a sombra, aos poucos, se torne menos reativa, agressiva e autônoma. Talvez por isso pessoas que sabem rir dos próprios problemas, comediantes e os otimistas sejam tão sociáveis e bem sucedidos. Porque acabam por se tornar as pessoas menos reativas socialmente, já que não projetam seus erros nos outros ou se prendem à situações negativas.





  A relação do palhaço com os indivíduos ao redor é extremamente transformadora, pois
ela remete aos aspectos humanos e falhos. Numa sociedade dominada pelo arquétipo do herói solar invulnerável, uma figura falha desperta empatia instantaneamente. Pois mesmo que nossa persona seja heroica, nosso interior é um falho mortal. O palhaço nos lembra disso, sem sequer tocar no assunto. O palhaço não tem objetivo, ele apenas emana a si mesmo. Tudo que ele faz é mostrar suas falhas e isso ressoa com as nossas. Seu caos tem o poder de revirar toda a nossa ordem interna, refazendo ou desfazendo nossos valores, ideais, condutas. Assim como anteriormente ele rompia o paradigma da onipotência do rei criticando-o, hoje ele o faz servindo de projeção e identificação para aqueles que tiverem empatia com sua palhaçadas. Sua figura sempre empodera aos outros, seja pelo ato de ridicularizar-se ou inspirar aos outros com sua conduta excêntrica, que mostra que é possível desvincular-se das personas que usamos e aceitar uma parcela da sombra que temos.

  Esse texto é uma homenagem à apresentação do grupo Gema da Alegria no fechamento da VII Semana de Psicologia do Norte Shopping. Foi uma performance e uma palestra inspiradora. Aos que quiserem conferir o trabalho dessa turma é só clicar aqui.

domingo, 26 de julho de 2015

Mitologia: Hoje é dia de Nanã Buruquê



  Dia 26 de Junho é o dia consagrado à Nanã Buruquê (Buruku), que no sincretismo católico é Santa Ana, avó de Jesus. É senhora dos mangues, pântanos e lagos; rege as águas paradas e as chuvas. Seu nome significa raiz e carrega um cetro chamado Ibiri. Sua saudação é "Saluba, Nanã!".

  Sua origem remete ao culto Jeje, um dos mais antigos da África, da época matriarcal, anterior à origem dos metais. Até hoje na África, as mulheres desse culto raspam as pernas com telhas de cerâmica. Por se prender à essas raízes, o simbolismo de Nanã é carregado de oposição à figura masculina. Existe uma rixa com Ogum, o orixá da guerra e dos metais. Reza a lenda que quando estavam decidindo qual era o orixá mais importante, a maioria escolheu Ogum pela necessidade dos utensílios metálicos, mas Nanã se recusou a aceitar tal decisão e, para provar seu ponto de vista, sacrificou seus animais com as mãos. Por isso os sacrifícios de Nanã não podem ser feitos com objetos de metal.

  Em outras lendas, Ogum tenta invadir seu território ignorando os avisos de Nanã e termina expulso de forma violenta e humilhante. Essas disputas representam o conflito entre o antigo e o novo. O momento em que a impulsividade da nova geração tenta destronar a geração anterior e termina derrotado pela experiência e sabedoria do tempo. Nanã é considerada a avó e mais antiga dos orixás.

  Na Umbanda Sagrada de Rubens Saraceni, faz par com Obaluayê no Trono da
Evolução. Nanã atua com o processo de decantação, purificando as emoções "sujas" para que Obaluayê faça a passagem de um nível vibratório à outro. São os principais agentes da transformação, referidos na mitologia como Orixás da Morte. Nanã é senhora das doenças cancerígenas e Obaluayê rege o Cruzeiro do Cemitério e a Linha das Almas, responsável por acompanhar e auxiliar os espíritos no processo de transição. São símbolos transformadores, mas violentos, pois não podem transformar nada sem deixar algo para trás, sem separar o puro do impuro. E para qualquer ser apegado aos seus defeitos, esse é um processo doloroso.

  Teve um filho com Oxalá, que foi Omulu. Este nasceu deformado por uma doença e por isso foi abandonado na praia para que as ondas o engolissem ainda bebê. Iemanjá o
achou e o acolheu, tratou de suas feridas e o cobriu com palha da costa e o presenteou com um colar de pérolas. Talvez essa história seja uma referência aos diversos problemas que podem acometer uma criança gestada por uma mulher em idade avançada. Mas, ao mesmo tempo, mostra a crueldade de Nanã em lidar com aquilo que é impuro. Oxalá casou com ela para que pudesse ter acesso aos portais ao reino dos eguns que ela guardava. Roubou suas vestimentas e adentrou no reino de Nanã. Esta, quando descobriu sua traição, o castigou, obrigando-o a usar suas roupas brancas femininas e a cobrir o rosto com o véu das yabás.

  Por causa da sua força feminina e resistência aos dogmas masculinos, é considerada a mais temida das yabás, sendo sábia pela idade, cruel em seus castigos e poderosa por sua feitiçaria antiga.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Malévola



  A Disney vem surpreendendo a cada ano remodelando e imprimindo novos conceitos mais positivos e instrutivos em seus filmes e personagens como A Princesa e o Sapo, Valente, Mulan e agora Malévola.
  O filme mostra uma personagem mais completa, além da vingança e do ódio retratados nas versões anteriores. Nessa versão, Malévola se apresenta desde o seu início, tornando compreensível o seu desenvolvimento, sua história e seu personagem como um todo, além da simplicidade de uma figura que supostamente sempre foi má desde o início dos tempos.
  Deixo como aviso o fato de que esse texto vai conter simbologias de tradições espirituais.


  A história se inicia com a divisão de dois reinos: os Humanos e os Moors. Os humanos são primitivos,problemáticos, arruaceiros, arrogantes, materialistas e gananciosos. Representam a Consciência, objetiva, ou o lado esquerdo do cérebro, responsável pela razão e ausência de calor humano. O moors são pacíficos, amistosos e suas terras são férteis e coloridas. Representa a vastidão do Incosciente, subjetivo, com criaturas em infinitas formas diferentes, mas que se tratam como iguais; ou o lado direito do cérebro, responsável pela criatividade, emoção e os processos que possuem beleza artística.
  Malévola inicia sua jornada em ascensão, pureza e com asas. Acreditem ou não, elas são importantes na história. Então, ela se apaixona por Stefan. E este a trai por ganância depois dela lhe permitir a entrada nas belas terras sagradas. Vemos aí uma variação do mito de Lúcifer/Prometheu, que ao auxiliar os humanos com a sua luz, seu conhecimento, é castigado e condenado até que um herói solar venha lhe restaurar o poder e a liberdade. Esse momento se reflete na cena em que Malévola perde suas asas. No mito, esse herói é Hércules que liberta Prometheu. Em Malévola, esse "herói" é Aurora.



  Inicialmente, a magia de Malévola é dourada, o que sugere que ela vibrava em Tiphereth. Era pura essência, natureza pacífica, harmônica e perfeita. Após a perda das suas asas, sua magia se torna verde, da cor de Netzach, a esfera das emoções e da natureza. Apesar de ser usada para afrontar e amaldiçoar Aurora, o objetivo de Malévola é proteger o reino dos Moors. A mudança na cor da sua magia representa a violência da Mãe Natureza. Sem qualquer piedade ou clemência. Ela se torna um ser caído e violento, dominado por emoções. Psicologicamente, Malévola possui um catexia que a faz "odiar" Aurora, quando isso não é nada mais que uma projeção mental da figura do Rei Stefan pelo sofrimento que este lhe causou.




  Após perder suas asas, Malévola se junta a Diaval. Originalmente um corvo, ela controla suas transformações para que ele lhe mantenha informada, servindo de psicopompo, conector entre os mundos e mensageiro. A versão Disney de Hermes e Mercúrio, através da figura do corvo, como os animais de Odin, que é um simbolo tanto de Mercúrio enquanto buscador das runas, quanto de Júpiter, como Pai de Todos. Em vários momentos ele serve de conselheiro para Malévola, tentando esclarecer aquilo que, claramente, está nublado na percepção dela.
  Conforme o tempo passa e Aurora vai crescendo, Malévola esboça sua magia dourada por alguns momentos. E conforme isso vai acontecendo, ela vai tendo atitudes bondosas como salvar Aurora do penhasco e coloca-la em sono para não presenciar a brutal surra que Malévola dá aos cavaleiros do rei. Essas atitudes serão justificadas por conceitos racionais. O que mostra que Malévola tem como função predominante o Pensamento, e como consequência de sua queda, a função Sentimento se manifesta de forma negativa e primitiva através da maldição que lança em Aurora.
  Mesmo assim, Aurora está convertendo a queda de Malévola através da simples existência. Aurora é exatamente como Malévola era quando jovem e representa seu Self, sua Essência, mas que sua consciência entende como inútil, lixo mental, por ter sido a causadora da traição do rei e da perda de suas asas. Fazendo dela, sua Sombra, aos olhos de Malévola. É descrita nas diversas culturas como a Criança Sagrada, os Querubins da Kabballah e os Erês da Umbanda. Possui a constituição de um ser tão puro que não pode ser maculado pelo mundo.
  Conforme o contato entre Malévola e Aurora aumenta, a catexia se desfaz e Malévola começa a lidar com Aurora e não com sua representação mental. Isso a torna vulnerável emocionalmente, ao mesmo tempo que reorganiza seu mundo emocional e sua função sentimento.


  Quando a catexia termina, Malévola tenta revogar a maldição lançada, mas se esquece de que fez com que nenhum poder pudesse retira-la. Nesse momento, sua magia dourada entra em conflito com sua magia verde. Esse é um dos momentos mais importantes do filme. Ele mostra que palavras uma vez ditas, não podem ser desditas. E existem consequências ao tentar voltar atrás daquilo que se fez.


  Esse problema só é contornado quando Malévola é capaz de compreender seus sentimentos e entender que existe amor verdadeiro. Que o que ela sente é amor verdadeiro. Isso ocorre quando ela faz as pazes consigo mesma, admitindo seu erro ao ter amaldiçoado Aurora e jurar passar o resto da vida ao seu lado. Esse é o processo de individuação, onde malévola reconhece sua Sombra como a distorção do seu propósito. É somente depois de fazer as pazes com Aurora, com sua Sombra, que Malévola pôde obter suas asas de volta e. Quando isso acontece, o Reino dos Moors retorna ao seu estado natural. O Inconsciente deixa de se tornar brutal e obscuro para novamente se mostrar como uma terra fértil e de grande beleza. E quando finalmente Aurora é coroada, os dois reinos são unificados, mostrando que a Consciência (Reino Humano) e o Inconsciente (Reino dos Moors) ou os dois hemisférios cerebrais (direito e esquerdo), finalmente pararam de se digladiar e resolver dividir a Psiquê igualmente, de forma harmônica.



  O filme é um exemplo de que todo ato distorcido faz parte de uma história e que não devemos definir nenhum indivíduo pelo simples momento do ato em que tivemos contato com ele. Todo ser é maior do que um evento de 5 minutos pode definir. Mostra como a perversão dos princípios destrói os seres. Stefan, ao trair Malévola, sela seu destino e o de sua filha; Malévola, igualmente, mas é capaz de reverter seu caos interior através do contato com Aurora e as experiências que a mesma traz. Também mostra como nossas ações egoístas podem transformar as pessoas ao nosso redor e até mesmo retirar o que há de melhor nelas e que ninguém é bom o tempo todo. O que não significa que seja eternamente uma pessoa ruim. Esse último é um conceito simples e até bastante conhecido, mas que as pessoas relutam em colocar em prática.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Sobre a tagarelice





Este é um capítulo de um livro em que Plutarco discursa sobre a tagarelice como um mal da humanidade. O livro contém outros dois capítulos sobre os quais eu não vou falar.


“...eles não encontram ouvintes que os ouçam ou que acreditem neles. Dizem que o esperma daqueles que tendem muito à união carnal é estéril; do mesmo modo, a palavra dos tagarelas é sem efeito e sem fruto.”

  Aqui, Plutarco se refere à qualidade das palavras tagareladas como um rio de água podre. Que mesmo que jorre em abundância, não tem qualquer proveito pela sua falta de qualidade. Os tagarelas não dão valor à palavra, e a desperdiçam sem qualquer cuidado. Buscam atenção e admiração pela sua suposta eloquência, mas sua fala é mais incômoda do que educativa, tornando seu discurso irritante aos ouvidos presentes.


“A tagarelice acompanha-se de curiosidade, e esse mal não lhe é inferior: queremos saber muitas coisas por termos muitas coisas que contar.”


  O segredo é a virtude mais distante do tagarela, pois ele se nutre de atenção. E através dela obtém prazer em ser ouvido e, para isso, necessita ter o que falar. Para ele não existem segredos, existem histórias, mercadorias que ele troca pelos ouvidos alheios.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

O Inconsciente a se comunicar


  Antes de nos aprofundarmos no assunto em questão, é preciso abordar alguns fatores a respeito do inconsciente que serão vitais para o desenvolvimento desse texto.

1. O inconsciente não existe no plano físico. Se existisse, seria obrigado a responder às leis de tempo e espaço que nos regem. E sabemos que o inconsciente é atemporal e não-espacial. E, acho muito improvável que alguém o delimite em espaço, pois o espaço que conhecemos é ocupado pela matéria desse plano. E como o inconsciente não é composto dessa matéria, não existe espaço no inconsciente. Pelo menos não como entendemos espaço.

2. O inconsciente é constituído do mesmo conteúdo que a consciência em natureza. Mas seu modus operandi se diferencia pela natureza do ambiente em que existem.

  Uma forma simples de explicar a natureza da mente e a fragmentação do Inconsciente e Consciência é através da imagem acima. O iceberg é a sua mente, a parte acima da água é a consciência e a parte submersa é o inconsciente. O iceberg é todo gelo, mas as ações que ele sofre abaixo da água são diferentes das ações que sofre na superfície. São mundos distintos, constituídos de matérias distintas, que, por consequência, fazem com que o iceberg exista de duas formas diferentes e esteja sujeito à influências de naturezas diferentes. Diferentes temperaturas, elementos, etc. Os dois são gelo, mas por estarem em locais diferentes em natureza, são dois pedaços de gelo "diferentes".

sexta-feira, 27 de março de 2015

O Poder do Agora II

  Neste texto falaremos do que Tolle chama de Presença. A principal característica da Presença é a consciência. Não o que entendemos como a parte da psique que se difere do inconsciente, mas o estado de alerta e controle que realmente domina os impulsos e atitudes inconscientes. A maioria dos atos nas pessoas comuns ocorre no piloto automático. O que resulta naquele flashback antes de dormir. Ele acontece porque no momento em que o evento aconteceu, você foi incapaz de estar presente. Então você o revive mentalmente, com aquilo que gostaria de ter feito. Não aquela reação impensada que gera arrependimentos e insônia. Isso é o Estado de Presença. Significa viver conscientemente a experiência presente de forma ativa e não reativa.
  A grande dificuldade está em se manter acordado e no controle. São muitos estímulos distratores em meio a responsabilidades, atividades, fazendo com que não tenhamos energia suficiente para decodificar todos e, ainda por cima, fazer uma seleção produtiva daqueles que ignoraremos e quais responderemos. A identificação com o sofrimento evita que você acorde para a nova existência que se produz a cada dia e a cada mudança. Vejamos um exemplo:

  Um homem de 30 anos sonhava em ser atleta, mas abriu mão disso para se trancar em um escritório pela segurança do salário. O que não era capaz de colocar um sorriso no seu rosto. Então ele sofre um acidente e perde uma das penas. Inicialmente, ele sofre. Até o dia em que se interessa por paraolimpíadas. Em cinco anos, ele se torna um campeão das competições. E em cinco anos sem uma perna ele sorriu mais vezes do que 10 anos no emprego em que estava.

quarta-feira, 18 de março de 2015

O Poder do Agora





  Começando a seção de livros lidos, escolhi um livro extremamente importante que me ensinou bastante sobre padrões de pensamento, sofrimento e inconsciência. Vou dividir essa análise pro texto não ficar muito grande porque acho que se perderia muito dos ensinamentos que o livro passa.



  Começaremos falando da mente. Diferente do prazer social de enobrecer a mente, o livro afirma logo de início que ela não é você, mas uma ferramenta sua. Se identificar com a mente é a armadilha mais comum do ego, já que vivemos numa sociedade onde o que você sabe tem mais valor do que o que você é. Essa identificação com a mente dá um imenso poder aos seus pensamentos. E isso é o que resulta na submissão do ser aos seus pensamentos e faz com que eles o invadam incessantemente e tirem sua concentração e atenção.
  A mente, como ferramenta, é extremamente útil, pois é através dela que raciocinamos a "realidade" e interpretamos nossas experiências. Mas ela também é o maior obstáculo para a iluminação, pois busca transformar tudo em fórmulas, símbolos, linguagens, e isso limita a essência de tudo o que não tem forma. A mente forma conceitos cíclicos e infindáveis de pensamentos que terminam por sobrecarregar nosso ser e quase nunca formula uma solução real. As soluções costumam sempre apontar para os defeitos delas mesmas e aí você tenta novas soluções que seguem os mesmos padrões. Sempre haverá um porém para a mente. A incapacidade de parar de pensar gera uma aflição interminável. E eu sei que vocês entendem do que eu estou falando. Essa é uma estratégia da mente para mantê-la em uso constante. E entramos no próximo tópico.

domingo, 8 de março de 2015

Valente, torre e poder feminino



  Uma princesa presa numa torre, guardada por um terrível dragão. Até que um cavaleiro de armadura reluzente a liberta, derrotando o dragão. E vivem felizes para sempre.
  Todos conhecem essa história, mas será que as coisas são tão simples e unilaterais? O que acontece quando não há cavaleiro para resgatar a princesa? Ela viverá eternamente em uma torre? Será incapaz de ser feliz? Viverá pelo capricho de uma fera e a ausência de um destino favorável? Os contos de fadas deveriam retratar a realidade em seu nível simbólico mais elevado. Mas talvez ele seja uma das maiores realidades ignoradas em nossa sociedade. A história de que torna impotente incontáveis mulheres desde criança: Que elas não são capazes de sair da torre ou de derrotar o dragão.



  As mulheres são facilmente condicionadas por duas ideias na infância: ser externamente lindas e achar seu príncipe encantado. Mas isso não significa lutar por um ótimo futuro, mas ficar preso a uma realidade imaginária. Sua liberdade é tragada no nascimento, quando são prometidas à um homem que, supostamente, conhecerão. A torre representa todas as prisões sociais em que foram encarceradas. E sua felicidade e completude, foi encarcerada na figura masculina. Sua maior prisão é o modelo de felicidade feminina. E entramos na torre.
  Em Promethea, quando ela e Bárbara estão escalando a Árvore da Vida, passam pelo 27º Cineroth, guiadas por Austin Spare, ao verem pessoas caindo de um torre, como é retratado na maioria dos tarots. Eis o diálogo:

Bárbara: Ei, o que é aquilo ali? Quero dizer, aquelas pessoas estão caindo. Não deveríamos ajudá-las?

Austin Spare: Não há motivo nenhum, Bárbara, minha querida. Eles estão sempre caindo. Essa é a iluminação da Torre, o símbolo do caminho 27. É a torre em cada homem ou mulher que já construíram... um edifício, um casamento, uma carreira... algo que se pretendia alcançar o céu.



  Essa é a Torre. Todas as nossas criações e tentativas de sermos plenamente felizes através de algo que por si só, não traz felicidade. Casar não vai trazer felicidade, muito dinheiro não vai trazer felicidade, um emprego também não. São falsas ideias de que a felicidade está nesses produtos sociais, mas casamento significa divisão e conflito, dinheiro significa responsabilidade em administra-lo e emprego significa estress. A felicidade está no seu coração. Quando você você ama a pessoa com que se casou e sabe conviver com ela entre o fluxo de mudanças que a vida dá, quando você ama o trabalho que você faz, mesmo que ele te estresse, quando o sorriso no fim do dia vale a pena. A felicidade não está nessas coisas. Está na compatibilidade da sua Essência com essas construções. Caso não esteja, elas vão ruir como a Torre do tarot.
  No caso da mulher, sua principal torre é sua sexualidade. Ela nasceu como um objeto prometido e precisa se comportar como o prêmio que, desde cedo, lhe ensinaram que era. Precisa permanecer comportadamente em sua torre.
  Na cultura brasileira, essa diferença fica muito evidente quando se observa os comentários sobre as mesmas atitudes no mundo masculino e feminino. O homem, para ser macho, precisa conquistar, ou melhor, pegar, comer, fuder, o maior número de garotas possível. Chegar aos 18 anos virgem é um sacrilégio no mundo masculino. Esperar por alguém especial, nem se fala.
  A mulher não possui o mesmo direito social. Porque se assim o fizer, se torna uma vadia. Seu valor como objeto de desejo se perde.

terça-feira, 3 de março de 2015

O renascimento de Narciso



  Com o advento da internet e a tsunami das redes sociais, vemos a crescente necessidade de compartilhamento. Compartilham-se as atividades, os gostos, os locais, eventos. Isso ocorreu de forma tão massante que ficou quase impossível não saber tudo sobre alguém, inclusive o design de seus locais mais íntimos. Não acho difícil montar uma réplica da casa de alguém apenas fuçando no facebook. Rompeu-se a utilidade da comunicação e prevaleceu a necessidade da exposição. Positiva, claro. Não há infelicidade em álbuns virtuais. Mostra-se sempre a máscara da comédia. Mas onde foi escondida a máscara da tragédia? Sem dúvida, está trancada num quarto empoeirado da mente acumulando pó. E claro que, em algum momento, alguém vai mexer nesse quarto. E a poeira que subir vai entupir seu nariz e arder seu olhos.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Não são os rituais. É você!



  Durante boa parte do tempo, nos dedicamos a aprender banimentos, consagrações, dezenas de rituais. Depositamos neles a nossa fé, nossa concentração e energia. Mas será que os rituais são tudo aquilo que pensamos.
  Os rituais são bengalas no caminho iniciático. Não me entendam mal. Não estou dizendo que eles são inúteis, ou não funcionam. Mas que, na verdade, eles não são o segredo. O segredo é você.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Pois onde se acham dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles



Continuação da série Meu nome é Legião, porque somos muitos. Pra quem caiu de paraquedas, aqui está a parte 1.

  Richard Dawkins estudou a organização de uma ideia como um gene que se multiplica de cérebro em cérebro, como uma unidade de informação que se replica. Ele chamou essa unidade de meme. Um pensamento que busca o máximo de corpos para se reproduzir como um vírus e dominar o mundo. Parece até filme de terror, né?! Mas a verdade é que é assim mesmo.
  Já sabemos o que é um pensamento. Mas o que acontece quando eles se juntam? A resposta é egrégora. Uma egrégora é o conjunto de energia mental ou pensamentos de duas ou mais pessoas voltado para a mesma finalidade. Egrégora é o que coloca todas as mentes na mesma vibração, na mesma onda. E eu falo literalmente. Cientistas já monitoraram músicos tocando juntos e o cérebro funciona como se fosse um só, como se fossem duas partes de um mesmo organismo. Podem ler a matéria aqui.
  Quando os trabalhos dentro de uma egrégora estão abertos, é claramente perceptível a sua influência. Jung chamou isso de Inconsciente Coletivo, o senso comum chama de Astral. Sabe quando "você sente a energia do local"? É isso. Por exemplo, se você vai à um dojô de karatê, ninguém precisa lhe dizer que ali é um local de disciplina. O próprio local durante o treino diz isso ao seu inconsciente. E o próximo assunto é....

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Meu nome é Legião, porque somos muitos



  O homem é por natureza um animal social. - Aristóteles


  Vemos, ao longo do tempo, que o ser humano teme a solidão desesperadamente. Quando diante do perigo e da fragilidade da sua individualidade, agrupa-se para que possa viver em segurança. Inicialmente, começaremos com a o pensamento da mente grupal, descrito por Le Bon:

"A peculiaridade mais notável apresentada por um grupo psicológico é a seguinte: sejam quem forem os indivíduos que o compõem, por semelhantes ou dessemelhantes que sejam seu modo de vida, suas ocupações, seu caráter ou sua inteligência, o fato de haverem sido transformados num grupo coloca-os na posse de uma espécie de mente coletiva que os faz sentir, pensar e agir de maneira muito diferente daquela pela qual cada membro dele, tomado individualmente, sentiria, pensaria e agiria, caso se encontrasse em estado de isolamento."

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Quando a roda não gira




  O fim de ano chegou. E com ele o arrependimento do tempo perdido desse ano e as frequentes promessas do ano seguinte. Fazemos piadas com isso, mas existe algo muito sério nesse evento. A incapacidade das pessoas de viver o presente.
  Se realmente nos dispormos a fazer aquilo que desejamos fazer, não haveria tantas repetições de desejos futuros. Esse acúmulo é proveniente de desejos não realizados que são agravados pela nova leva de desejos. E assim as pessoas se perdem no caminho da realização, pois chega uma hora que não se sabe nem por onde começar. E quando você começa um, é bombardeado pelos outros e se perde completamente, terminando não fazendo nada.



  O maior artifício, na minha opinião, são dois demônios: A Preguiça e a Luxúria. Essas duas belas mulheres são muito fortes e atraentes. A Preguiça torna tudo muito pouco atraente antes mesmo de começa-las. E a Luxúria torna qualquer coisa mais atraente do que aquilo que você ia fazer. Enquanto a Preguiça se encarrega de fazer você ignorar a tarefa, a Luxúria te dá várias coisas "mais legais" para se fazer. Na verdade, essas coisas são apenas mais prazerosas a curto prazo, mas não dão a satisfação de realização e completude. Motivo pelo qual é preciso repetir as sugestões da Luxúria como um viciado em uma droga.
  O jeito mais fácil de lidar com essas duas? Mostrar quem manda na casa na base da força..... de vontade. No início, parecerá que se faz as coisas por obrigação, porque elas não querem que você faça. Então te atormentam e impedem que você sinta o que está fazendo. Mas a partir do momento em que você for capaz de ignora-las e permanecer consciente e presente no que está fazendo, perceberá que é mais fácil e prazeroso do que se pensava. É só aprender a ignora-las.
  Então, sim, no início, será uma espécie de obrigação. Porque você ainda está tendo um caso com estas senhoritas. Mas quando você se levar a sério e disser pra elas que acabou e parar de abrir a porta pra elas, vai dar tudo certo.