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domingo, 26 de julho de 2015

Mitologia: Hoje é dia de Nanã Buruquê



  Dia 26 de Junho é o dia consagrado à Nanã Buruquê (Buruku), que no sincretismo católico é Santa Ana, avó de Jesus. É senhora dos mangues, pântanos e lagos; rege as águas paradas e as chuvas. Seu nome significa raiz e carrega um cetro chamado Ibiri. Sua saudação é "Saluba, Nanã!".

  Sua origem remete ao culto Jeje, um dos mais antigos da África, da época matriarcal, anterior à origem dos metais. Até hoje na África, as mulheres desse culto raspam as pernas com telhas de cerâmica. Por se prender à essas raízes, o simbolismo de Nanã é carregado de oposição à figura masculina. Existe uma rixa com Ogum, o orixá da guerra e dos metais. Reza a lenda que quando estavam decidindo qual era o orixá mais importante, a maioria escolheu Ogum pela necessidade dos utensílios metálicos, mas Nanã se recusou a aceitar tal decisão e, para provar seu ponto de vista, sacrificou seus animais com as mãos. Por isso os sacrifícios de Nanã não podem ser feitos com objetos de metal.

  Em outras lendas, Ogum tenta invadir seu território ignorando os avisos de Nanã e termina expulso de forma violenta e humilhante. Essas disputas representam o conflito entre o antigo e o novo. O momento em que a impulsividade da nova geração tenta destronar a geração anterior e termina derrotado pela experiência e sabedoria do tempo. Nanã é considerada a avó e mais antiga dos orixás.

  Na Umbanda Sagrada de Rubens Saraceni, faz par com Obaluayê no Trono da
Evolução. Nanã atua com o processo de decantação, purificando as emoções "sujas" para que Obaluayê faça a passagem de um nível vibratório à outro. São os principais agentes da transformação, referidos na mitologia como Orixás da Morte. Nanã é senhora das doenças cancerígenas e Obaluayê rege o Cruzeiro do Cemitério e a Linha das Almas, responsável por acompanhar e auxiliar os espíritos no processo de transição. São símbolos transformadores, mas violentos, pois não podem transformar nada sem deixar algo para trás, sem separar o puro do impuro. E para qualquer ser apegado aos seus defeitos, esse é um processo doloroso.

  Teve um filho com Oxalá, que foi Omulu. Este nasceu deformado por uma doença e por isso foi abandonado na praia para que as ondas o engolissem ainda bebê. Iemanjá o
achou e o acolheu, tratou de suas feridas e o cobriu com palha da costa e o presenteou com um colar de pérolas. Talvez essa história seja uma referência aos diversos problemas que podem acometer uma criança gestada por uma mulher em idade avançada. Mas, ao mesmo tempo, mostra a crueldade de Nanã em lidar com aquilo que é impuro. Oxalá casou com ela para que pudesse ter acesso aos portais ao reino dos eguns que ela guardava. Roubou suas vestimentas e adentrou no reino de Nanã. Esta, quando descobriu sua traição, o castigou, obrigando-o a usar suas roupas brancas femininas e a cobrir o rosto com o véu das yabás.

  Por causa da sua força feminina e resistência aos dogmas masculinos, é considerada a mais temida das yabás, sendo sábia pela idade, cruel em seus castigos e poderosa por sua feitiçaria antiga.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Malévola



  A Disney vem surpreendendo a cada ano remodelando e imprimindo novos conceitos mais positivos e instrutivos em seus filmes e personagens como A Princesa e o Sapo, Valente, Mulan e agora Malévola.
  O filme mostra uma personagem mais completa, além da vingança e do ódio retratados nas versões anteriores. Nessa versão, Malévola se apresenta desde o seu início, tornando compreensível o seu desenvolvimento, sua história e seu personagem como um todo, além da simplicidade de uma figura que supostamente sempre foi má desde o início dos tempos.
  Deixo como aviso o fato de que esse texto vai conter simbologias de tradições espirituais.


  A história se inicia com a divisão de dois reinos: os Humanos e os Moors. Os humanos são primitivos,problemáticos, arruaceiros, arrogantes, materialistas e gananciosos. Representam a Consciência, objetiva, ou o lado esquerdo do cérebro, responsável pela razão e ausência de calor humano. O moors são pacíficos, amistosos e suas terras são férteis e coloridas. Representa a vastidão do Incosciente, subjetivo, com criaturas em infinitas formas diferentes, mas que se tratam como iguais; ou o lado direito do cérebro, responsável pela criatividade, emoção e os processos que possuem beleza artística.
  Malévola inicia sua jornada em ascensão, pureza e com asas. Acreditem ou não, elas são importantes na história. Então, ela se apaixona por Stefan. E este a trai por ganância depois dela lhe permitir a entrada nas belas terras sagradas. Vemos aí uma variação do mito de Lúcifer/Prometheu, que ao auxiliar os humanos com a sua luz, seu conhecimento, é castigado e condenado até que um herói solar venha lhe restaurar o poder e a liberdade. Esse momento se reflete na cena em que Malévola perde suas asas. No mito, esse herói é Hércules que liberta Prometheu. Em Malévola, esse "herói" é Aurora.



  Inicialmente, a magia de Malévola é dourada, o que sugere que ela vibrava em Tiphereth. Era pura essência, natureza pacífica, harmônica e perfeita. Após a perda das suas asas, sua magia se torna verde, da cor de Netzach, a esfera das emoções e da natureza. Apesar de ser usada para afrontar e amaldiçoar Aurora, o objetivo de Malévola é proteger o reino dos Moors. A mudança na cor da sua magia representa a violência da Mãe Natureza. Sem qualquer piedade ou clemência. Ela se torna um ser caído e violento, dominado por emoções. Psicologicamente, Malévola possui um catexia que a faz "odiar" Aurora, quando isso não é nada mais que uma projeção mental da figura do Rei Stefan pelo sofrimento que este lhe causou.




  Após perder suas asas, Malévola se junta a Diaval. Originalmente um corvo, ela controla suas transformações para que ele lhe mantenha informada, servindo de psicopompo, conector entre os mundos e mensageiro. A versão Disney de Hermes e Mercúrio, através da figura do corvo, como os animais de Odin, que é um simbolo tanto de Mercúrio enquanto buscador das runas, quanto de Júpiter, como Pai de Todos. Em vários momentos ele serve de conselheiro para Malévola, tentando esclarecer aquilo que, claramente, está nublado na percepção dela.
  Conforme o tempo passa e Aurora vai crescendo, Malévola esboça sua magia dourada por alguns momentos. E conforme isso vai acontecendo, ela vai tendo atitudes bondosas como salvar Aurora do penhasco e coloca-la em sono para não presenciar a brutal surra que Malévola dá aos cavaleiros do rei. Essas atitudes serão justificadas por conceitos racionais. O que mostra que Malévola tem como função predominante o Pensamento, e como consequência de sua queda, a função Sentimento se manifesta de forma negativa e primitiva através da maldição que lança em Aurora.
  Mesmo assim, Aurora está convertendo a queda de Malévola através da simples existência. Aurora é exatamente como Malévola era quando jovem e representa seu Self, sua Essência, mas que sua consciência entende como inútil, lixo mental, por ter sido a causadora da traição do rei e da perda de suas asas. Fazendo dela, sua Sombra, aos olhos de Malévola. É descrita nas diversas culturas como a Criança Sagrada, os Querubins da Kabballah e os Erês da Umbanda. Possui a constituição de um ser tão puro que não pode ser maculado pelo mundo.
  Conforme o contato entre Malévola e Aurora aumenta, a catexia se desfaz e Malévola começa a lidar com Aurora e não com sua representação mental. Isso a torna vulnerável emocionalmente, ao mesmo tempo que reorganiza seu mundo emocional e sua função sentimento.


  Quando a catexia termina, Malévola tenta revogar a maldição lançada, mas se esquece de que fez com que nenhum poder pudesse retira-la. Nesse momento, sua magia dourada entra em conflito com sua magia verde. Esse é um dos momentos mais importantes do filme. Ele mostra que palavras uma vez ditas, não podem ser desditas. E existem consequências ao tentar voltar atrás daquilo que se fez.


  Esse problema só é contornado quando Malévola é capaz de compreender seus sentimentos e entender que existe amor verdadeiro. Que o que ela sente é amor verdadeiro. Isso ocorre quando ela faz as pazes consigo mesma, admitindo seu erro ao ter amaldiçoado Aurora e jurar passar o resto da vida ao seu lado. Esse é o processo de individuação, onde malévola reconhece sua Sombra como a distorção do seu propósito. É somente depois de fazer as pazes com Aurora, com sua Sombra, que Malévola pôde obter suas asas de volta e. Quando isso acontece, o Reino dos Moors retorna ao seu estado natural. O Inconsciente deixa de se tornar brutal e obscuro para novamente se mostrar como uma terra fértil e de grande beleza. E quando finalmente Aurora é coroada, os dois reinos são unificados, mostrando que a Consciência (Reino Humano) e o Inconsciente (Reino dos Moors) ou os dois hemisférios cerebrais (direito e esquerdo), finalmente pararam de se digladiar e resolver dividir a Psiquê igualmente, de forma harmônica.



  O filme é um exemplo de que todo ato distorcido faz parte de uma história e que não devemos definir nenhum indivíduo pelo simples momento do ato em que tivemos contato com ele. Todo ser é maior do que um evento de 5 minutos pode definir. Mostra como a perversão dos princípios destrói os seres. Stefan, ao trair Malévola, sela seu destino e o de sua filha; Malévola, igualmente, mas é capaz de reverter seu caos interior através do contato com Aurora e as experiências que a mesma traz. Também mostra como nossas ações egoístas podem transformar as pessoas ao nosso redor e até mesmo retirar o que há de melhor nelas e que ninguém é bom o tempo todo. O que não significa que seja eternamente uma pessoa ruim. Esse último é um conceito simples e até bastante conhecido, mas que as pessoas relutam em colocar em prática.